Chora Kika: Artista de nascença, “chorona de profissão”

Backyard, 2020 – Chora Kika

maio, 2022

Chora Kika: Artista de nascença, “chorona de profissão”

No mundo das artes visuais, Maria Passô é Chora Kika. A memória – a sua, a dos outros e a coletiva – é o barro com que molda um imaginário de inspiração telúrica muitas vezes povoado por personagens bucólicas e castiças. O seu lugar é o da inconstância, mas foi em Backyard – poster com que concorreu ao POSTER Mostra que a encontrámos.  

ON SET – Quando é que a Maria Passô se transforma em Chora Kika?
CHORA KIKA – É uma pergunta difícil de responder porque as tangências são muitas e as linhas muito difusas. Maria já foi e continua a ser muitas coisas. E a brincadeira dos alter-egos sempre esteve presente. Na verdade, todas estas personas são feitas da mesma matéria, acho que talvez lhes atribua os nomes de acordo com a disposição com que acordam de manhã.

Chora Kika nasce e cresce durante a fase final do meu percurso na faculdade num momento em que sinto ser necessário “dividir as águas” entre as várias disciplinas e práticas criativas de que me ocupo. Chora dedica-se acima de tudo à ilustração e acaba por se tornar a minha marca. Hoje em dia já não vejo as coisas bem assim e o cruzamento entre essas minhas formas de fazer é mais presente e consciente. 

Leftovers, 2020 – Chora Kika

ON SET – Já agora, de onde vem este nome artístico? 
CHORA KIKA – Então, Chora porque é um nome que surge numa altura em que eu andava a gritar aos sete ventos a importância da lágrima e da liberdade do choro. E, acima de tudo, porque sempre quis ser chorona de profissão. Kika está relacionado com uma personagem que criei durante os meus tempos áureos das Caldas, sobre a qual perdi o controlo.  

ON SET – Tens um imaginário muito peculiar, diria até que (pelo menos em trabalhos mais recente) povoado por criaturas com ar bucólico e castiço. Como é que ele se constrói? De que influências?
CHORA KIKA – Eu acho que o construir de um imaginário vive sempre das nossas experiências, do nosso contexto, das nossas influências, ou seja, as coisas que consumo, os livros que leio, as imagens que vejo, as conversas que ouço. E talvez daí essa presença bucólica e castiça. Vem da história, da terra, das vizinhas, dos medos talvez… Acho que mais do que qualquer outra coisa, o meu trabalho é sobre a memória. A minha, a dos outros e daquela que é de todos. E depois também, a internet, que tem sempre uma presença muito forte no que faço porque o que lá acontece me fascina de muitas formas. Tenho acesso a vários mundos e sinto que tenho o poder de me apropriar deles. Num final de contas, é apenas um recontar de histórias da forma que melhor sei fazer.  

Recato, 2020 – Chora Kika

ON SET – De tudo o que tens tocado nas artes visuais, da ilustração à escultura, que tipo de trabalho mais gostas de desenvolver e porquê?
CHORA KIKA – Não tenho uma resposta certa. Eu sou uma pessoa que flutua muito nos seus interesses. Antes isso era castrador e causa de insónias constantes num mundo de crises existenciais. Agora aprendi a abraçar essa minha inconstância até porque a entendi como uma característica muito fértil e impulsionante. Permite-me chegar a vários sítios através de vários meios. Acho que talvez possa dizer que a pintura e a ilustração tenham o seu espaço mais consolidado nos meus afazeres, no entanto são possíveis e até prováveis 4 meses seguidinhos sem pegar num pincel por ter as mãos no barro, ou no vídeo, ou no áudio ou noutra coisa qualquer.  

ON SET – O que motivou a tua participação no POSTER?
CHORA KIKA – Eu já seguia este projeto e sempre achei uma ótima iniciativa.
Calhou, que desta vez, me deparei com a Open Call que fizeram e fiquei logo entusiasmada com a ideia de ter o meu trabalho exposto nas ruas de um espaço que é tão meu, a par de outros tantos artistas incríveis, lado a lado.  

ON SET – Que mais-valia ela tem trazido ao teu projeto?
CHORA KIKA – Eu considero que o conhecer e o fazer são ações que só por si são uma mais-valia. Sou sempre grata a iniciativas como esta que vivem da vontade de expor e dar a conhecer o trabalho dos novos artistas. 

Tired Fish, 2020 – Chora Kika

ON SET – Backyard foi feito propositadamente para a Open Call, ou já existia?
CHORA KIKA – O Backyard faz parte de uma série-coleção de ilustrações que já existiam, mas pensá-lo dentro deste contexto trouxe-me toda uma nova perspetiva e um novo olhar sobre o meu próprio trabalho e sobre a narrativa que ele carrega. Eu acho que grande parte da magia que existe neste mundo de criar imagens recai exatamente na oportunidade de as vermos em constante mutação de sentidos e experiências.  

ON SET – Qual o maior contributo que o POSTER pode dar à cultura em Portugal? E à sociedade?
CHORA KIKA – Eu acho que este projeto tem uma grande relevância na sua premissa porque para além de ser um incentivo aos novos artistas na promoção do seu trabalho, é acima de tudo um momento em que a arte vai à rua. A arte ir à rua é muitas vezes mais importante do que parece porque para além de fazer viver o espaço que ocupa, deixa também a proposta, a qualquer um que passe, de olhar, de ver e de se questionar sobre a presença do que vê.
Eu considero que isso tem uma grande importância nos dias que vivemos hoje, em que a pressa é constante e rapidez é urgente, sermos quase como obrigados a parar e a ver de verdade os espaços que são nossos. 

ON SET – Que projetos tens agora em perspetiva?
CHORA KIKA – De há uns tempos para cá, aceitei um desafio diferente daqueles a que me tenho vindo a propor. Tenho trabalhado como designer e diretora criativa numa agência e tem sido um processo muito importante para mim. Continuo cativa como freelancer. Deixar os meus outros projetos nem sequer é uma opção, no entanto o tempo é limitado e os desafios têm sido diários. Acho que a ideia agora é viver e aproveitar os projetos que estão em cima da mesa e esperar, como entusiasmo, pelos próximos.  

“O meu trabalho é sobre a memória. A minha, a dos outros e daquela que é de todos.”

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